Lições de Montesquieu e da Argentina
O processo eleitoral cumpre, é necessário reconhecer, uma função muito importante nas "democracias" contemporâneas. O fato de admitirmos que é importante não significa que vamos concordar com ela - afinal, a Gestapo também desempenhava uma função muito importante no governo nazista.
Quem revelou com mais clareza o papel das eleições nas "democracias" do Ocidente foi um pensador conservador, Joseph Schumpeter, no início dos anos 1940. Atualizando Thomas Hobbes, ele percebe como a delegação de poder funciona como mecanismo de legitimação da dominação. A intervalos periódicos, o povo, que consta lá nos preâmbulos retóricos das constituições como detentor do poder soberano, transfere seu direito de autogoverno para uma minoria. Essa transferência, como nos diz Schumpeter, não obriga os governantes a nada, não sinaliza preferência por nenhuma política, não representa uma gota de exercício de soberania. O importante é que o povão pensa que está influenciando no governo (e, com isso, se dispõe a obedecer melhor).
Por isso - ao contrário de Hobbes - Schumpeter pensa que as eleições devem ser periódicas. A ilusão do autogoverno precisa ser reatualizada, para que continue eficaz. O economista austríaco, talvez inconscientemente, recuperava uma idéia presente em Montesquieu. Ele explica, lá n'O espírito das leis: o corpo legislativo deve ser renovado periodicamente, para que, quando se corrompa, o povo não perca a esperanças de instituir um novo, regenerado. E aqui estamos nós, 250 depois, comprovando Montesquieu. Cada vez que um de nossos ídolos cai, corremos em busca de outro. Meu vereador, meu prefeito, meus deputados, meus senadores, meu governador, meu presidente: todos se corromperam. Mas eu ainda ponho fé que, em 2006, vou acertar o voto e escolher quem faça a hora enquanto eu espero acontecer.
E já que estou indo de citação em citação, segue mais uma, de P. T. Barnum (que sigla significativa! não pode ser só coincidência, foi a providência divina), o pai da publicidade moderna, o charlatão que sacudiu os Estados Unidos na metade do século XIX. Ele explicava porque era tão fácil enganar as pessoas. Elas desejam ser enganadas e colaboram ativamente no processo. Eis o princípio do discurso publicitário, do qual o discurso político é uma província. Assim faz o eleitorado, pleito após pleito.
A Argentina ilustra bem demais a situação. Depois do fracasso ímpar do governo De La Rúa e da mobilização popular anti-sistêmica, convocam-se eleições de emergência e as energias políticas se deslocam para a arena eleitoral. Com isso, perdem seu potencial transformador. Em vez de buscar a construção de novas instituições, que minimizassem a desigualdade política e avançassem na direção de maior justiça e autonomia, a questão passou a ser ganhar votos para obter uma ou outra cadeira no Congresso. Um cientista político, Isidoro Cheresky, diz que a crise argentina mostrou como as eleições são o recurso essencial de re-legitimação do sistema. Ele o diz aprovadoramente (nem era necessário explicitar isso; afinal, eu o classifiquei como "cientista político"). Sem comungar de seu juízo de valor, é possível aceitar o veredito e entender aquilo que Montesquieu e a Argentina nos ensinam. O processo eleitoral, além de desviar a ação política de arenas com maior potencial de transformação, faz com que nós vivamos numa ilusão permanente, renovada a cada quatro anos.
O mínimo, neste momento, é dizer não...
Quem revelou com mais clareza o papel das eleições nas "democracias" do Ocidente foi um pensador conservador, Joseph Schumpeter, no início dos anos 1940. Atualizando Thomas Hobbes, ele percebe como a delegação de poder funciona como mecanismo de legitimação da dominação. A intervalos periódicos, o povo, que consta lá nos preâmbulos retóricos das constituições como detentor do poder soberano, transfere seu direito de autogoverno para uma minoria. Essa transferência, como nos diz Schumpeter, não obriga os governantes a nada, não sinaliza preferência por nenhuma política, não representa uma gota de exercício de soberania. O importante é que o povão pensa que está influenciando no governo (e, com isso, se dispõe a obedecer melhor).
Por isso - ao contrário de Hobbes - Schumpeter pensa que as eleições devem ser periódicas. A ilusão do autogoverno precisa ser reatualizada, para que continue eficaz. O economista austríaco, talvez inconscientemente, recuperava uma idéia presente em Montesquieu. Ele explica, lá n'O espírito das leis: o corpo legislativo deve ser renovado periodicamente, para que, quando se corrompa, o povo não perca a esperanças de instituir um novo, regenerado. E aqui estamos nós, 250 depois, comprovando Montesquieu. Cada vez que um de nossos ídolos cai, corremos em busca de outro. Meu vereador, meu prefeito, meus deputados, meus senadores, meu governador, meu presidente: todos se corromperam. Mas eu ainda ponho fé que, em 2006, vou acertar o voto e escolher quem faça a hora enquanto eu espero acontecer.
E já que estou indo de citação em citação, segue mais uma, de P. T. Barnum (que sigla significativa! não pode ser só coincidência, foi a providência divina), o pai da publicidade moderna, o charlatão que sacudiu os Estados Unidos na metade do século XIX. Ele explicava porque era tão fácil enganar as pessoas. Elas desejam ser enganadas e colaboram ativamente no processo. Eis o princípio do discurso publicitário, do qual o discurso político é uma província. Assim faz o eleitorado, pleito após pleito.
A Argentina ilustra bem demais a situação. Depois do fracasso ímpar do governo De La Rúa e da mobilização popular anti-sistêmica, convocam-se eleições de emergência e as energias políticas se deslocam para a arena eleitoral. Com isso, perdem seu potencial transformador. Em vez de buscar a construção de novas instituições, que minimizassem a desigualdade política e avançassem na direção de maior justiça e autonomia, a questão passou a ser ganhar votos para obter uma ou outra cadeira no Congresso. Um cientista político, Isidoro Cheresky, diz que a crise argentina mostrou como as eleições são o recurso essencial de re-legitimação do sistema. Ele o diz aprovadoramente (nem era necessário explicitar isso; afinal, eu o classifiquei como "cientista político"). Sem comungar de seu juízo de valor, é possível aceitar o veredito e entender aquilo que Montesquieu e a Argentina nos ensinam. O processo eleitoral, além de desviar a ação política de arenas com maior potencial de transformação, faz com que nós vivamos numa ilusão permanente, renovada a cada quatro anos.
O mínimo, neste momento, é dizer não...
5 Comments:
naum entendi nada, mas toh c vc, bró
boto muita fé!
arrasou
O brasileiro é ainda pior que o argentino. É um povo passivo que não se revolta com nada. Se não, já tinha quebrado tudo!!!!
Devo confessar: esse post é muito mais convincente no meu caso do que o do pontinho vermelho. Mas é tão chato ter que dar o braço a torcer...
mas às vezes dar o braço a torcer pode ser bom. como receber um tapinha, na hora certa. tem gente que gosta.
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