Tuesday, October 31, 2006

Depois da posse

Diálogo com um eleitor lulista, no final de janeiro ou começo de fevereiro de 2007:

- A política econômica é a mesma,
essa eu não engulo!
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Jader Barbalho ministro da justiça,
agora eu fiquei fulo!
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Congelaram os salários,
vou me esconder em algum casulo.
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Concessão pro agronegócio,
esse governo é muito chulo.
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Delfim Netto na agricultura,
tão achando que sou um mulo?
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Um escândalo por dia,
de raiva e espanto eu ululo.
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- O poder nunca me escuta
se eu falo ou gesticulo.
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Na minha mente só pragas
e arrependimentos eu formulo.
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Que lástima: às forças do atraso
com meu voto eu me vinculo!
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- Deste governo para o PFL,
sem brincadeira, é um pulo.
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

- A cada dia que passa
mais tristeza eu acumulo.
- Entendo, amigo - eu respondo -
mas veja: eu votei nulo.

Monday, October 30, 2006

Comentário Sobre o Resultado Eleitoral

Como a Ana propôs, aqui vão alguns comentários sobre os resultados eleitorais (citados a seguir):

Abstenção: 23.914.242 (18.99%)
Comparecimento: 101.997.079 (81.01%)
Votos: 101.997.079
Votos brancos: 1.351.442 (1.32%)
Votos nulos: 4.808.489 (4.71%)

Muitos autores falaram sobre participação política, mas agora é hora de calcular a "taxa de não-participação" (sempre quiz escrever algo que usasse muitos números, então aguentem). Para obter a taxa de não participação (TxNP), deve-se somar a quantidade de abstenções (QtA) com os votos Brancos (QtB) e nulos (QtN), e dividir o resultado pela população votante (NóIs), que é igual a QtA mais o comparecimento (C). Assim:

TxNP = (QtA + QtB + QtN)/NóIs
TxNP = 30074173/125911321
TxNP = 23,88% = 30074173*

A conclusão só poderia ser uma: a partir da próxima semana, o acesso a este blog será pago, pois a população que vota nulo, branco ou não se dá ao trabalho de ir votar constitui um mercado em potencial! E tenho dito**.

_________

* para saber porque eu não simplesmente somei QtA, QtB, QtN, consulte o livro "Como fazer de um comentário banal um artigo científico reconhecido" de Mancur Olson.
** E aí Miguw, dá pra publicar este artigo?

Saturday, October 21, 2006

A qualidade que falta

Nessa altura do campeonato, já ficou claro que a principal virtude da competição política é dar o circo ao povo, já que o pão é escasso. Não quero ser injusto. A atual campanha tem nos brindado com alguns momentos bacanas, como as trapalhadas repetidas do PT ou o glorioso FHC tentando desesperadamente puxar o tapete do candidato que apóia. Mas os dois protagonistas são fracos. Falta talento tanto a Lula quanto a Alckmin. Assistir aos debates na TV é quase tão empolgante quanto ler as obras completas do Habermas.
Sinto saudade dos momentos gloriosos do passado. Cadê as tiradas de Brizola, que faziam até os adversários caírem na gargalhada? Cadê aquela baixaria boa, escrachada?
Lembro com particular carinho de um bate-boca entre Quércia e Ciro Gomes, acho que foi em 1994. Ciro era fernandista na época - e Quércia, bem, Quércia era quercista. (Hoje ambos são lulistas, vejam só!) Ciro deu uma entrevista chamando Quércia de "porca prenha". Quércia respondeu: "Ele estava de brinco quando falou isso? Porque depois do expediente ele tira o terno e coloca brinco".
Existe algo na campanha de 2006 que se aproxime disso? Não. Teleguiados por marketeiros pusilânimes, os candidatos tresandam moderação, equilíbrio, racionalidade. Despiram a campanha eleitoral de sua última virtude, a de nos divertir.
(Se alguém comprovar o contrário, ganha uma assinatura vitalícia deste blog.)

Tuesday, October 17, 2006

Voto Nulo: remédio para Geraldofobia

Não há mais de 15 anos atrás eu vesti vermelho e gritei 13 em meio a uma multidão de petistas! Tinha eu 7 anos de idade (eu disse SETE anos) e minha mãe, militante, já me catequizara sem dó nem piedade. Assim, cresci esperando o dia em que pudesse votar no Lula. Aos 14, torcia pela eleição do PT como se estivesse vendo uma empolgante corrida de cavalos (na verdade estava vendo mesmo). Porém, já aos 16, percebi que o Lula que eu admirava (talvez porque me lembrasse o papai Noel) não era mais o mesmo.

Por ter me tornado um adolescente militante (eca!) concluí que ele havia "se vendido". A partir daí, convenci muitos "companheiros" de que o companheiro-mor já não era tão companheiro assim. Pouco depois optei pelo voto de protesto, primeiro passo para atualmente desembocar no voto nulo, opção cidadã.

Porém, hoje vejo muito ex-lulista como eu com a intenção de votar no Lula para barrar o Geraaaaaldo. Só gostaria de lembrar que votar no anti-Geraaaaldo é atestar para os políticos que "se vender" realmente funciona! Óbvio que votar já é um ato abominável, mas voltar a votar no Lula é o mesmo que dizer: "É isso aí companheiro, você está indo muito bem. Continue assim". Infelizmente, um dos dois vai ganhar e vai ficar se gabando que o povo quis isso. Porém, se alguém tem obrigação de não votar no Lula são os ex-lulistas, principalmente os com geraldofobia! E são estes que estão voltando atrás!

Sei que raramente escrevo tão sério nesse blog. Mas a onda de ex-lulista votando no Lula me obrigou a falar sério!

PS.: Além disso, gostaria de que alguém me apontasse as diferenças substantivas entre os dois que fossem capazes de justificar uma escolha.

Monday, October 16, 2006

Retificação

Retificando o excelente texto do Miguw, é preciso dizer que a mesma matéria do mencionado jornal também citou uma grande vitória para nós:
"O brasileiro não teve a mesma paciência para o Legislativo federal. O número de nulos cresceu 66%, e o de brancos, 34%. Assim, o bloco de votos não válidos em relação ao total passou de 7,6% para 11,1%. Nos principais Estados do país o voto de protesto para deputado federal foi mais forte. No Rio de Janeiro, os nulos cresceram 127% e os brancos 63%. Em São Paulo, esses números foram, respectivamente, de 109% e 27%. Em termos absolutos, quase 4,5 milhões de eleitores a mais optaram por votar nulo ou branco para deputado federal."

Questão de fé

A Folha de hoje traz matéria comemorando o baixo número de votos nulos no primeiro turno. Mesmo com a putrefação do sistema aos olhos de todos, só 4,8% dos eleitores anularam o voto para a Câmara dos Deputados. (Somados com os brancos, são 11,1%.)
Daí se ouvem os cientistas políticos... Um deles é o mais enfático. Nem vou citar o nome do Carlos Ranulfo, da UFMG, porque podia ser qualquer um. "Creio que estamos diante de uma boa notícia", diz ele. "Felizmente, para a democracia brasileira, as pessoas continuam acreditando que o melhor é escolher alguém, ainda que, em muitos casos, essa escolhe se realize na última hora e com base em pouca informação".
É bom para a democracia por quê? Uma escolha desinformada ajuda em que à democracia? Depende do que entendemos por democracia. Se é só um jeito de legitimar qualquer governo, sem que o povo indique qualquer rumo à construção de um projeto de sociedade, como queria Schumpeter, tudo bem. Mas se a gente imagina algo mais consistente, em que o valor da autonomia coletiva esteja presente, então esse voto não acrescenta nada.
É claro que a escolha bem informada, no sistema que temos, também não acrescenta coisa alguma. No final das contas, a "ciência" política gira em torno de uma questão de fé. A fé de que o voto é bom. A fé de que a eleição é democrática. Não há nenhuma evidência de que isso seja verdade - e muitas de que seja uma grossa inverdade. Mas a fé não se abala com isso. E os cientistas políticos daqui continuam seguindo os grandes gurus, os místicos desta fé, os Sartori, Huntington, Putnam, Lipset, Downs et caterva.
PS. É claro que posso estar sendo injusto com Ranulfo. Não sei o que ele falou, só o que saiu no jornal. E, a gente sabe, raciocínios complexos e textos da imprensa são como azeite e água.

Saturday, October 14, 2006

Três visões poéticas

1 - Rainer Maria Rilke

sobre a similaridade entre nossas "opções "

Quem, se eu gritasse,
entre as legiões de anjos
diferenciaria Lula e Alckmin?

2 - Titãs

sobre aqueles que agora querem votar anti-Alguém

O segundo turno me deixou burro
muito burro demais

(Titãs, no início, se chamavam Titãs do Iê-Iê-Iê! Muito mais bacana.)

3 - Fernando Pessoa

sobre a mistificação que é tudo isso

O sistema representativo é um fingidor
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é o eleitor
Quem escolhe o presidente

Monday, October 09, 2006

Voto nulo, de novo (ou Até os fortes fraquejam)

Terminado o primeiro turno. Maluf campeão de votos, Clodovil deputado anunciando que vai se vender pro melhor mensalão que encontrar. A disputa eleitoral mostra todas suas virtudes, fazendo de Fernando Collor nosso novo senador. Sarney, Palocci, Genoíno, Russomano, Pudim: toda a alegria que sentimos ao ler a lista dos derrotados se esvai quando passamos para a lista dos vitoriosos.

Mas a atenção está na disputa presidencial. De repente, os alckministas estão chegando. Oh, pânico! Nessa hora, muitos de nós parecem esquecer tudo o que estamos ensinando e voltam, desesperados, para os braços da urna eletrônica (urna tem braço?), pensando em escolher o menos pior.

Espantei-me ao conversar com minha guru, uma paladina do voto nulo, que já me mostrava a luz quando eu ainda permanecia no doce embalo das ilusões eleitorais. Foi ela quem me explicou que meu voto não vale nada, foi ela que me mostrou que vender o voto não é prova de estupidez, foi ela que me fez ver como é fácil esperar que o mundo mude por delegação. Pois eis que a encontro balançada, tentada a votar no Lula para evitar o Alckmin.

Repito para ela tudo que ela me ensinou. Mas é em vão. Há uma barreira em sua mente. Não importa o que eu diga, ela é aterrorizada por visões de Gabriel Chalita no ministério da Educação, fazendo as crianças rezarem o pai-nosso antes das aulas; um quiosque da Daslu na frente do Palácio do Planalto; Artur Virgílio, o pigmeu moral da Amazônia, como líder do governo no Congresso; os ossos de Plínio Corrêa de Oliveira transferidos para o panteão da Pátria...

Então, em certo momento da conversa, seu rosto fica nublado. Ela está olhando para o filho, a adorável criança de 5 anos, que se diverte em seus folguedos inocentes. No momento, o menino decapitava toda uma série de horrendos vilões de massinha com a espada de uma tarataruga ninja de plástico. E a guru do voto nulo diz assim:

- Mas como eu poderia explicar para o meu filho que votei no Lula?

Sim, essa é a questão. Como explicar que, no final das contas, eu me curvo ao jogo tal como ele é sempre jogado? Eu abro mão da idéia de uma política diferente? Eu absorvo o discurso que está tudo bem - que o governo dos transgênicos, dos mensalões, dos acordos com a direita, do jogo duro contra os movimentos sociais, da festa dos banqueiros, esse governo também é "meu"? Eu acho que não há nenhuma possibilidade de mudança real? Eu me contento com tão pouco? Eu jogo sempre na retranca? Eu aceito a dissipação de tantas energias utópicas? Eu faço, alegremente, o elogio da mediocridade?

Não dá pra explicar. Não quero cair na cilada do anti-Alckmin. Ele não passa do reverso do anti-Lula.

E de anti em anti
nosso futuro
continua distante...