Monday, October 16, 2006

Questão de fé

A Folha de hoje traz matéria comemorando o baixo número de votos nulos no primeiro turno. Mesmo com a putrefação do sistema aos olhos de todos, só 4,8% dos eleitores anularam o voto para a Câmara dos Deputados. (Somados com os brancos, são 11,1%.)
Daí se ouvem os cientistas políticos... Um deles é o mais enfático. Nem vou citar o nome do Carlos Ranulfo, da UFMG, porque podia ser qualquer um. "Creio que estamos diante de uma boa notícia", diz ele. "Felizmente, para a democracia brasileira, as pessoas continuam acreditando que o melhor é escolher alguém, ainda que, em muitos casos, essa escolhe se realize na última hora e com base em pouca informação".
É bom para a democracia por quê? Uma escolha desinformada ajuda em que à democracia? Depende do que entendemos por democracia. Se é só um jeito de legitimar qualquer governo, sem que o povo indique qualquer rumo à construção de um projeto de sociedade, como queria Schumpeter, tudo bem. Mas se a gente imagina algo mais consistente, em que o valor da autonomia coletiva esteja presente, então esse voto não acrescenta nada.
É claro que a escolha bem informada, no sistema que temos, também não acrescenta coisa alguma. No final das contas, a "ciência" política gira em torno de uma questão de fé. A fé de que o voto é bom. A fé de que a eleição é democrática. Não há nenhuma evidência de que isso seja verdade - e muitas de que seja uma grossa inverdade. Mas a fé não se abala com isso. E os cientistas políticos daqui continuam seguindo os grandes gurus, os místicos desta fé, os Sartori, Huntington, Putnam, Lipset, Downs et caterva.
PS. É claro que posso estar sendo injusto com Ranulfo. Não sei o que ele falou, só o que saiu no jornal. E, a gente sabe, raciocínios complexos e textos da imprensa são como azeite e água.

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