Porque nós estamos certos e todos os outros estão errados
Vozes autorizadas reclamam que esse blog tem um tom meio autoritário. A gente fica aqui com um dedão na cara das pessoas, dizendo "vote nulo", "vote nulo", impondo uma opção - e nesse sentido nosso discurso não é muito diferente de qualquer discurso de campanha eleitoral, de um Severino Cavalcanti ou Jandira Feghali da vida.
Bom, é isso mesmo. Ou quase. É difícil que um discurso político não tenha esse viés autoritário; fazer política (que Habermas não me ouça) é tentar impor um ponto de vista a outras pessoas, por meio do convencimento ou de outros meios. Nós usamos o convencimento, até porque os outros meios não estão disponíveis.
Mas a diferença é que o ponto de vista que nós queremos impor é o certo! E eu queria mesmo era comentar os artigos publicados na página 3 da Folha de S. Paulo de ontem (sábado), sobre o voto nulo. Para demonstrar seu graaande pluralismo, tem um texto contra e outro "a favor" do voto nulo. O texto contra está todo errado. O texto a favor também. A verdade, ao que parece, mora só nesse blog. E no coração das pessoas de bem, é claro.
Escreve contra o voto nulo o sr. André Franco Montoro Filho, economista, ex-ocupante de cargos de confiança e, obviamente, filho do André Franco Montoro. Em seu texto, intitulado "Uma proposta sem propósito" - bom título, por sinal, é necessário reconhecer -, ele volta à velha lenga-lenga: se os bons votam nulo, perdem a chance de eleger os melhores... Seu voto é uma arma, basta escolher bem para mudar o país... A novidade é que Montoro Filho dá conteúdo ao "escolher bem". Temos que eleger candidatos "comprometidos com a mudança do sistema eleitoral". Agora tá explicado.
É um tipo de argumentação completamente autista. As pretensas virtudes do modelo de representação que nós temos hoje são aceitas sem contestação, embora os fatos forcem a reconhecer que essas virtudes nunca se efetivam. Os argumentos favoráveis ao voto nulo são solenemente ignorados, como se fosse uma mera birra - tô de mal com a elite política, por isso não voto em ninguém. A birra, aliás, já seria legítima, mas é mais que isso. (Sem falar na estupidez que é depositar tamanha fé numa mudança de sistema eleitoral, que provavelmente vai nos colocar numa situação pior ainda: o sistema majoritário que o artigo propõe fossiliza as elites política, gerando taxas de reeleição que giram em torno dos 95%, como nos Estados Unidos.)
Daí vem o artigo que responde "sim" à questão "O voto nulo é útil para a democracia?", assinado por Carlos Fernando Galvão, ongueiro. Não entendi algumas partes - quando começam a falar de "um novo espaço-tempo brasileiro", meus neurônios saem de férias. No pedaço que entendi, o ilustre articulista, que faz questão de anunciar que não vai anular o voto, concede que anular o voto pode ser uma demonstração de protesto contra a corrupção da elite política brasileira. Mas se confunde ao estabelecer que votar nulo é ser a favor da política participativa e contra a representativa. Bom, não é nada disso. Aliás, o que essa dicotomia quer dizer?
O voto nulo expressa a intenção de não legitimar o processo viciado de representação política que hoje temos. Não é (ou não é necessariamente) um mero protesto contra A ou B, os políticos atuais: não são as pessoas que estão sob julgamento, mas o sistema. E não há a ilusão de abandonar a representação. Não existe política sem representação - mesmo na Grécia antiga, vamos lá ler o velho Finley. Mas a representação não precisa ser isso que é hoje.
É isto. É esta a verdade. É nisso que estamos certos. Aos errados, ainda é tempo de se converter!
Bom, é isso mesmo. Ou quase. É difícil que um discurso político não tenha esse viés autoritário; fazer política (que Habermas não me ouça) é tentar impor um ponto de vista a outras pessoas, por meio do convencimento ou de outros meios. Nós usamos o convencimento, até porque os outros meios não estão disponíveis.
Mas a diferença é que o ponto de vista que nós queremos impor é o certo! E eu queria mesmo era comentar os artigos publicados na página 3 da Folha de S. Paulo de ontem (sábado), sobre o voto nulo. Para demonstrar seu graaande pluralismo, tem um texto contra e outro "a favor" do voto nulo. O texto contra está todo errado. O texto a favor também. A verdade, ao que parece, mora só nesse blog. E no coração das pessoas de bem, é claro.
Escreve contra o voto nulo o sr. André Franco Montoro Filho, economista, ex-ocupante de cargos de confiança e, obviamente, filho do André Franco Montoro. Em seu texto, intitulado "Uma proposta sem propósito" - bom título, por sinal, é necessário reconhecer -, ele volta à velha lenga-lenga: se os bons votam nulo, perdem a chance de eleger os melhores... Seu voto é uma arma, basta escolher bem para mudar o país... A novidade é que Montoro Filho dá conteúdo ao "escolher bem". Temos que eleger candidatos "comprometidos com a mudança do sistema eleitoral". Agora tá explicado.
É um tipo de argumentação completamente autista. As pretensas virtudes do modelo de representação que nós temos hoje são aceitas sem contestação, embora os fatos forcem a reconhecer que essas virtudes nunca se efetivam. Os argumentos favoráveis ao voto nulo são solenemente ignorados, como se fosse uma mera birra - tô de mal com a elite política, por isso não voto em ninguém. A birra, aliás, já seria legítima, mas é mais que isso. (Sem falar na estupidez que é depositar tamanha fé numa mudança de sistema eleitoral, que provavelmente vai nos colocar numa situação pior ainda: o sistema majoritário que o artigo propõe fossiliza as elites política, gerando taxas de reeleição que giram em torno dos 95%, como nos Estados Unidos.)
Daí vem o artigo que responde "sim" à questão "O voto nulo é útil para a democracia?", assinado por Carlos Fernando Galvão, ongueiro. Não entendi algumas partes - quando começam a falar de "um novo espaço-tempo brasileiro", meus neurônios saem de férias. No pedaço que entendi, o ilustre articulista, que faz questão de anunciar que não vai anular o voto, concede que anular o voto pode ser uma demonstração de protesto contra a corrupção da elite política brasileira. Mas se confunde ao estabelecer que votar nulo é ser a favor da política participativa e contra a representativa. Bom, não é nada disso. Aliás, o que essa dicotomia quer dizer?
O voto nulo expressa a intenção de não legitimar o processo viciado de representação política que hoje temos. Não é (ou não é necessariamente) um mero protesto contra A ou B, os políticos atuais: não são as pessoas que estão sob julgamento, mas o sistema. E não há a ilusão de abandonar a representação. Não existe política sem representação - mesmo na Grécia antiga, vamos lá ler o velho Finley. Mas a representação não precisa ser isso que é hoje.
É isto. É esta a verdade. É nisso que estamos certos. Aos errados, ainda é tempo de se converter!
11 Comments:
A autora é professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo, doutora pela Universidade de Oxford e livre-docente pela USP.
Caso haja um número significativo de votos inválidos, não apenas a base da legitimidade do Congresso estará enfraquecida.
Sua composição provavelmente poderá ser ainda pior do que a atual, em função do fato de que, quanto maior o número de votos nulos e brancos, menor será o quociente eleitoral, ou seja, menos votos serão necessários para se distribuir as cadeiras entre os partidos e candidatos.
Dado que é mais provável que quem anula o voto seja o eleitor preocupado com a coisa pública (caso contrário não protestaria), candidaturas e partidos mais comprometidos com o interesse público terão seu peso relativo diminuído.
Há também que se considerar que não basta que nos insurjamos contra a eleição dos chamados “mensaleiros e sanguessugas”, tentando puni-los com a perda do mandato.
Certamente esta é uma iniciativa importante, pois é atribuição do eleitor punir aqueles representantes cujo desempenho não foi condizente com os deveres do mandato que receberam. Mas impedir que “mensaleiros e sanguessugas” voltem ao Congresso não significa que aqueles que os substituírem sejam de uma nobre estirpe, incorruptíveis e voltados para o interesse público – a menos que levemos mais a sério as eleições legislativas; a menos que foquemos nossa atenção na escolha criteriosa daqueles que nos representam.
Isto significa que mais do que nunca é importante se engajar nas eleições legislativas, buscando informações sobre os candidatos, de forma a escolher entre aqueles que de fato já tenham demonstrado compromisso com a coisa pública, seja em sua atuação como representante na presente legislatura, seja em sua biografia como cidadão atuante. E certamente não faltam candidaturas que respondem as exigências básicas do exercício da representação política.”
Breve comentário...
A autora diz em um trecho: "E certamente não faltam candidaturas que respondem as exigências básicas do exercício da representação política". Apesar de não concordar, mesmo que estas candidaturas existam, vale o sábio pensamento de outro importante cientista político: "Eu sei que meu voto corrompe: não vou usá-lo contra quem eu respeito".
Ola'
Sugiro que, ao inves de se dar ao trabalho de votar nulo - o que, de acordo com o tse, nao vai anular a eleicao -, o eleitor use seu direito de abstencao e simplesmente nao vote: o eleitor pode justificar-se em qualquer local de votacao fora de seu domicilio eleitoral no dia da eleicao ou ainda tera' 60 dias para justificar-se em seu cartorio eleitoral. Apos 60 dias, ha' uma multa de 33 ufirs (cerca de 35 reais).
Para quem nao se justificar nem pagar a multa, ocorrera' suspensao de alguns direitos como emissao de documentos e passaporte, participacao em concursos publicos etc.
sem mais,
silvio
Oi Sílvio,
acho que ninguém aqui está querendo anular a eleição, a gente só quer anular o voto, mesmo. O ruim da proposta de abstenção é que ela gera outros problemas: 1) eu teria que viajar para fugir da eleição (é uma ótima idéia, mas quem paga?; 2) eu teria que mentir para justificar o meu não-voto, quando eu não quero votar porque estou cansada de mentirosos (imagino que essa justificativa não seria aceita pelo TSE); 3)ter que pagar R$ 35,00 para me livrar de algo que eu nunca comprei é um desaforo. Acho mais simples ir até lá e anular o voto. Pena não poder usar uma caneta e deixar uns recados malcriados, como nos tempos de antigamente - a catarse seria mais completa.
Ok... pra quem já decidiu votar nulo essa informação não tem interesse. Mas, quem QUISER pesquisar sobre a "ficha" dos candidatos aqui vai uma dica. Existe um site nesse sentido. É um projeto da ONG Transparência Brasil denominado "Excelências". O link é esse: http://perfil.transparencia.org.br/. Abraço a todos.
Fico muito impressionado com a falta de capacidade que algumas pessoas têm de entender a postura política de quem vota nulo, independente do fato de anular ou não a eleição. Não sei se as pessoas estão absolutamente contaminadas pela síndrome do resultado imediato, pela sede da resposta a curto prazo, que tanto o mercado quanto o meio dos ditos políticos pratica e nos empurra, ou se essas pessoas têm uma inibição automática para a assimilação de idéias que simplesmente não estão escritas na história ou prescritas no livro de receitas da civilização ocidental.
Respondendo ao Eduardo
A falta de capacidade em entender a opção cidadã pelo voto nulo está mais que explicada meu caro amigo: Voto vicia! Para mais informações, consulte o AVOA neste mesmo blog.
A professora D'Alva é um dos raros cientistas políticos dotados de cérebro. Ainda assim, seu argumento tem como pressuposto uma mistificação, a grande mistificação da concorrência eleitoral: a idéia de que o voto faz diferença.
Uma vez que é o sistema que está - está, não: que é - podre, não vai ser o voto "consciente" de nós, interessados na coisa pública, que vai fazer diferença.
E o voto nulo sinaliza que, pelo menos, a gente tá sabendo disso.
Pense nisso:
O ANALFABETO POLÍTICO
O pior analfabeto
É o analfabeto político,
Ele não ouve, não fala,
Nem participa dos acontecimentos políticos.
Ele não sabe o custo da vida,
O preço do feijão, do peixe, da farinha,
Do aluguel, do sapato e do remédio
Dependem das decisões políticas.
O analfabeto político
É tão burro que se orgulha
E estufa o peito dizendo
Que odeia a política.
Não sabe o imbecil que,
da sua ignorância política
Nasce a prostituta, o menor abandonado,
E o pior de todos os bandidos,
Que é o político vigarista,
Pilantra, corrupto e lacaio
Das empresas nacionais e multinacionais.
a mistificação, cíntia, é acreditar que votar representa a alfabetização política.
ler todo o blog, muito bom
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