Wednesday, August 30, 2006

O nulo e consciência limpa

Estava eu saindo de um supermercado, alegre e contente, com as minhas módicas compras quando de repente uma voz bem baixinha começou: “Moço... moço...”. Eu pensei: “É comigo?”. Daí no terceiro “moço” me viro e dou de cara com uma garota de prancheta na mão. Logo pensei: “pesquisa sobre café!”, quanta ingenuidade... se fosse assim eu ganharia um cafezinho grátis ao menos (o que seria muuuuito melhor do que um clipe e dois chicletes).

- “Você vota aqui na cidade?”. Foi...

Segue a entrevista:

- “Você vai votar em quem pra presidente?”

- “Nulo.”

- “E para senador?”

- “Nulo.”

- “Governador?”

- “Nulo.”

- “Deputado?”

- “Nulo.”

(Me mostra um daqueles empolgantes círculos com o nome de vários candidatos, para me “estimular” a escolher um deles).

- “Nulo.”

Nulo, nulo, nulo, nulo, nulo, nulo, nulo.

Bem, porque estou escrevendo isso? Para compartilhar com todos a minha alegria ao final da tortura. Enchi-me de uma alegria que há muito não sentia. Faz bem votar nulo, deixa a consciência limpa, me deixa mais tempo para fazer coisas que realmente ache válidas para ajudar a sociedade, vou para mais palestras, para mais conversas de bar (momento máximo da política brasileira), escrevo mais textos, busco convencer e ser convencido por outros. Tudo isso através de uma simples anulação...

Vote nulo, faz bem à cabeça e ao coração.

Sunday, August 27, 2006

Anarquismo e voto nulo

Alguns blogs anarquistas têm discutido o voto nulo. Lê-se, em alguns deles, que votar nulo não é uma opção anarquista - o verdadeiro anarquista não aceita comparecer às urnas, portanto não vota nulo.

Bom, isso é uma discussão lá deles. Eu não sou anarquista. Simpatizo com o anarquismo, é claro, como todo mundo. Aliás, o anarquismo é uma espécie de budismo das doutrinas políticas. Todo mundo simpatiza com os budistas, ainda que seja cristão, muçulmano, ateu, xintoísta, espírita. É o mesmo com os anarquistas - desde que permaneçam teóricos, é claro.

Mas não dá para imaginar o fim da política, o fim da representação, o fim do Estado. Temos que ampliar a igualdade política, incrementando a capacidade que as pessoas comuns têm de agir na política e de supervisionar seu representantes - o que exige um monte de transformações, muitas delas bem pouco realistas no momento atual, e um monte de tentativas e erros. O mergulho na utopia do não-Estado é prejudicial, pois nos encaminha numa direção que está fadada a não dar certo e não contribui para promover avanços no mundo social real.

Não é por acaso que a vertente mais pujante do anarquismo hoje, intelectualmente e mesmo politicamente, esteja na extrema-direita do espectro político. É o anarco-capitalismo, que prevê o fim do Estado... a fim de ser inteiramente substituído pelo mercado! Trata-se de uma jogada discursiva interessante, que se apropria de uma palavra simpática, sob o pretexto de manter seu sentido básico, a ausência do Estado, mas retira tudo o que está no coração mesmo do anarquismo, os valores que o orientaram, da igualdade, da liberdade efetiva, da solidariedade social.

Aliás, os anarco-capitalistas gostam de ser chamados de "libertários"!!!

A Bakunin, Proudhon, Malatesta e Kropotkin, que neste momento se remexem em suas tumbas, a minha solidariedade.

Thursday, August 17, 2006

Amar é a solução?

Não, não estou inaugurando uma seção "pílulas de sabedoria". Nem entrando no ramo da auto-ajuda. Nem me converti ao cristianismo. Nem estou pregando o amor livre.

Aqui nesse blog só tem política, véio... e o Amar em questão é o Akhil Reed Amar, um pensador americano, eu acho. Pelo nome, deve ser americano - ô sociedade multicultural. E eu estou chamando o cara de pensador, mas, que eu saiba, ele só escreveu um artigo. Mas tudo bem, certo? Gabriel não escreveu nem isso e é O Pensador, porque o Amar não pode ser?

O artigo do Amar se chama "Choosing representatives by lottery voting", o que, meus queridíssimos leitores monoglotas, quer dizer "choças representativas de lotes votivos". Ou, então, escolhendo representantes por votação lotérica. Saiu no Yale Law Journal, ou seja, é coisa fina. Como bom colonizado, eu leio a palavra "Yale" e já entro em êxtase. Supondo que sei que é uma universidade e não uma marca de fechaduras.

Amar parte de uma constatação óbvia: o voto não vale nada. Pode parecer coisa de teoria da escolha racional, mas é simples matemática. Se tem meia dúzia de candidatos à presidência, só dois concorrendo de verdade, e um universo de cento e cacetada milhões de eleitores, a gente faz uma regra de três simples, aplica uma raiz quadrada, retira a hipotenusa, acrescenta o duodeno e chega à conclusão de que seu voto ter impacto no resultado é mais difícil do que ganhar o prêmio principal da Mega-Sena sem ter apostado. Isso faz com que todo mundo se desestimule. Se meu candidato está na frente, não tem sentido eu perder meu tempo votando. Se está atrás, a mesma coisa.

Então ele propõe o seguinte: misturar eleição com sorteio. Eu voto num deputado e cada voto que ele recebe é como se fosse um bilhete de loteria. Depois, é feito um sorteio. O candidato que teve 32% dos votos tem 32% de chances de ser sorteado, por exemplo. Com isso, cada voto realmente tem algum peso. Meu voto num candidato minoritário não é desperdício: ele tem alguma oportunidade de ser sorteado, uma oportunidade a mais com meu voto.

Com isso, continua Amar, temos duas conseqüências importantes. Primeiro, uma minoria de, digamos, 45% da população não está condenada a ficar sem representante 100% do tempo. E, depois, alguém que conte com 50% + 1 dos votos não está autorizado a desprezar os interesses do restante do eleitorado: vai ter incentivo para conquistar outros corações e mentes.

Além do quê, no final das contas, podemos esperar uma proporcionalidade bem razoável. Se um candidato do partido X foi sorteado com poucos votos em, sei lá, Santo André ou Sertânia, isso é compensado em Ji-Paraná ou em Praia Grande, onde o mesmo partido teve mais votos e não foi sorteado.

É um modelo bem elaborado; quem quiser detalhes, busca o artigo no ProQuest ou então vê um resumo em português que saiu no meio de um texto da revista Lua Nova, se não estou enganado...

Mas Amar é a solução? Não creio. Ele comunga da crença que mudar o sistema eleitoral resolve nossos problemas, enquanto isso é apenas a ponta do iceberg. Contudo, é interessante observar que existem alternativas. É possível ousar pensar em formas radicalmente novas de organizar a política. Não estamos condenados ao que hoje temos.

Heloísa de Tróia

A bela Helena, esposa do rei espartano Menelau, foi o estopim da mítica guerra de Tróia, a partir de seu rapto por Príamo...ops... quer dizer, Páris, ahn... bem... não me lembro com exatidão, mas certamente era alguém com um nome iniciado por P (de PT, PSDB, PSOL, PRP, PHLXWTdoB...).

Mas voltando à narrativa. Independente das qualidades que pudéssemos atribuir à bela Helena, o que ficou para a eternidade foi a desgraça que a aparência pode trazer à humanidade. Se a beleza helenística produziu a guerra, outra aparência, a do presente grego em forma de cavalo deu fim à história de Tróia. Lembremo-nos que o arquiteto de tal engenho não poderia ser outro senão Ulisses, reconhecido muito mais por sua astúcia do que pela coragem. Usando o cavalo de madeira, os troianos foram enganados e sofreram com o fim de sua pátria.

Mas é com as próximas eleições que devemos atentar para um novo – velho – cavalo. É com esta disputa presidencial que a nossa Heloísa pode entrar para o rol de Helenas. HH disputa para fazer um contraponto à política atual e não é seu objetivo principal a ascensão à presidência, mas uma parcela razoável da população tem interpretado que o voto nesta Helena se apresenta como um voto de protesto contra o caminhar da política. Aí entra a nossa egüinha de pau.

Então berremos todos juntos: “Heloísa para presidente! Um Brasil novo já!” (risadas incontroláveis e frenéticas). O protesto “contra” o sistema político deve vir por meio do voto “cidadão” – uma cidadania bem manca e capenga, mas vá lá –, da escolha do trigo dentre o joio, de filtrar as impurezas da representação, e todo o resto de jargão repetitivo existente nesta nossa modernidade.

Eu percebo que existem problemas nos candidatos apresentados para a disputa eleitoral, como me parece que boa parte do eleitorado também o faz. Mas o problema não está apenas nos candidatos, o próprio sistema representativo conduz inexoravelmente à baderneira a qual estamos submetidos no dia-a-dia. Constituir um partido político é entrar para a dança das cadeiras da atual organização política, e lhe fornecer mais legitimidade. É muito mais bonito para o senhor Cardoso falar de consolidação da democracia porque temos opções das mais variadas na disputa eleitoral. Acontece que no fundo o mais importante é que nenhum desses partidos possui um apoio popular consciente, o que é impossível devido à própria organização em partidos políticos, que busca congelar posicionamentos políticos, na realidade muito mais voláteis e diversificados. Esta percepção, quando transborda para a ação política, se traduz como a rejeição a estes partidos políticos e seus candidatos.

O que representa Heloísa Helena? Ela vem de um novo partido! Ei, vamos com calma pra não cair do pangaré. PSOL, partido novo? Quem está lá faz política há séculos. São os métodos dos ex-petistas radicais e, mais importante: baseados na forma de fazer política da nossa tradição política. Mais uma... cadê a base social do PSOL? Ele é essencialmente um partido formado no parlamento (para falar que li Duverger), que não buscou suas bases na sociedade. Foi constituído pela impossibilidade de alguns políticos conseguirem espaço suficiente em seus partidos. Não existe, portanto, ANSEIO POPULAR, nesta “opção”.

Mas partido não é time de futebol, no futebol o torcedor é muito mais importante do que o eleitor na política. Com a podridão, natural e inerente à atual organização política, nada mais racional do que deixar de lado estas formas de representação falidas e abortadas em sua concepção, os chamados partidos políticos. Quem em sã consciência – e sem nenhum ganho por trás – irá correr atrás da construção de um partido hoje em dia? Eu não... e é por isso que eu voto nulo! Para ir contra não apenas a Lulas, FHs, administradores políticos, coronéis, e outros, mas também contra PSOL, PSTU, Helenas, Cristovans, porque o desejo popular não surge no parlamento ou em conversa de bastidor, e sim nas ruas, onde as pessoas vivem as agruras do dia-a-dia e as pequenas felicidades de quando encontramos algum motivo para olhar para frente.

De presente de grego já bastam os antigos...

Wednesday, August 16, 2006

Quero me mudar pro país da propaganda do Lula!

Vou discordar do meu guru Anulados. Horário Eleitoral é tudo! Devia passar na TV a cabo, devia ter no cinema. Todas as locadoras de vídeo deviam fechar nessa época. Horário Eleitoral é, como dizia um antigo slogan dos cinemas Luiz Severiano Ribeiro, a maior diversão.

Onde a gente veria a Heloísa Helena defendendo a santidade da propriedade privada e pedindo orações pela candidatura dela? Eymael encantando o Brasil com a nitidez de seu jingle? Um Alckmin querendo, a toda força, virar Geraldo? Bivar explicando que não estava lá só pra se exibir? Cristovam anunciando ao povo que foi um governador do Distrito Federal tão querido, tão amado, tão idolatrado... que nem foi reeleito?

Mas o melhor de tudo é Lula mostrando a todos o Brasil maravilhoso em que vivemos. Gente, onde fica esse país estupendo que o barbudo governa? Tô louco pra mudar pra lá. Tem saúde, educação, bolsa-família, desenvolvimento com qualidade, branco, negra e índio e ainda a classe operária no poder...

Se a Justiça Eleitoral fosse justa, depois de todos os candidatos viria o horário eleitoral do voto nulo. Trinta segundos, vinte que fossem - era o que bastava. Vinte segundos com a tela preta, silêncio total... Para os surdos (é a lei que obriga todo candidato falar pros surdos agora? que avanço, os deficientes auditivos agora também podem ser mistificados pelos políticos!), um letreiro pequeno correndo: "A única propaganda política sem mentira, sem demagogia, sem desafaçatez".

Tuesday, August 15, 2006

Coisas que só o Horário eleitoral te oferece...

Juro que ia falar sobre a Heloísa Helena hoje, juro de pé junto... Mas eis que chega o Horário de Propaganda Eleitoral Gratuita, vulgo HPEG.

São nesses momentos que toda a família se une e é formado um coletivo social, um sentimento de “nação”, no qual em uníssono todos falam: “eu odeio ver essa porcaria!”.

Mas dessa vez foi particularmente chocante... praticamente todos os candidatos a cargos proporcionais falaram basicamente a mesma coisa. “Estou concorrendo a minha primeira eleição. Não sei de mensalão, nem de sanguessugas, só prometo não roubar. Meu partido? Ah, sim, sou do PP com B.”.

Alguém ainda cai nessa?!?!?!? Se o cara não está concorrendo à reeleição no mínimo ele é CANDIDATO do partido, aprovado por seus companheiros de “luta” partidária. Das duas uma. Ou a pessoa fez carreira no partido e se mostrou digno de confiança para entrar na maracutaia, ou simplesmente possui uma característica capaz de agregar votos ou de trazer benefícios ao partido que o selecionou como candidato.

Mas vamos nos aprofundar um pouquinho, algo realmente difícil para uma pessoa que bebeu (não foi uísque!) e escreve à 01:00... Beleza... não sou ingênuo a ponto de não perceber que cada partido lança um número muuuito maior de candidatos do que o número de seus candidatos com reais chances de vitória. Pela lei eleitoral (de forma resumida e sem considerar as especificidades) cada partido pode indicar um número de candidatos equivalente a 150% do número de cadeiras disponíveis ao cargo em questão. Ou seja, tem quem venha me falar que a maioria dos candidatos existentes já nasceram abortados e estão ali apenas para preencher espaço, que servem apenas para aumentar o número de votos da legenda, com a ajuda do cachorro, do periquito, da jaguatirica, da vó, do primo, da nora, da irmã, e por aí vai.

AHAHAHAHAHAH. Vamos à realidade. Quem diabos é eleito? É o Zé Mane da esquina, que diz “Nunca fui eleito, vamos dar rotatividade às elites”? Mas nem !!! No final das contas os votos nesse pobre coitado vão direto para possibilitar a reeleição daquele camarada que esteve envolvido com todas as besteiras do partido e que, exatamente por isso, consegue mais recursos partidários, seja verba, seja espaço no HPEG, seja no desconto dos quitutes da dona Ana Joana.

Bem... para simplificar, voto nulo é a única saída! Vamos reconhecer as dificuldades do sistema eleitoral e optar pela única opção formal que possibilita expressar a indignação com a condição da política neste país, ou talvez no mundo ocidental...

Aiaiai... mais uma caipirinha pra curar a ressaca do Horário “Gratuito”, que é muito bem pago às emissoras... ah sim, essas recebem CONCESSÃO do Estado... mas tudo bem... é apenas mais uma das “sutilezas” desse nosso mundo...

Monday, August 14, 2006

Vamos nos gratificar!

A Folha de hoje posta (publica) um artigo do diretor do DataFolha, Mauro Paulino, baseado num survey que revelou que "apenas" um terço dos brasileiros "gosta muito de ir às urnas". Típica pesquisa bizarra. Eu imagino o estagiário do DataFolha caçando o povo na rua pra perguntar se "o senhor (ou a senhora) gosta de ir às urnas":

- Que é isso, rapaz, sou moça direita!

- Eu gostava, mas agora freqüento a Sara Freire Nossa Terra!

- Gosto sim, mas minha mulher não deixa!

- Eu vou quando estou apertado, como todo mundo!

Os que menos entusiasmo manifestam pela eleição são os mais jovens. O articulista, como é óbvio, acusa-os de não valorizarem o voto - não participaram da luta contra a ditadura, não aprenderam como é importante ter o direito de escolher o próprio sanguessuga. (Dizer que a luta contra a ditadura se limitava à formalidade eleitoral é triste...)

Mas minha parte favorita do texto é o apelo para que mídia, partidos e tribunais eleitorais façam campanha para "reforçar a importância da participação política e para demonstrar que ir às urnas pode ser também gratificante". Nem há o que comentar - estamos mesmo no país da piada pronta, como dizia aquele analista político, o Macaco Simão. Votar é sinônimo de participação política? Quer dizer, participar se resume a um gesto ritual, que cumpre a tarefa de me fazer pensar que estou influenciando em algo, que me apazigua, mas não possui efetividade nenhuma? E o que pode ter de gratificante apertar uns botõezinhos, ver surgir na minha frente a cara do ACM Neto ou do Zé Genoíno e pressionar o botão verde para confirmar? É essa a gratificação que a concorrência eleitoral dá ao povo.

Freud errou (que novidade!). Esqueceu de incluir, na sua teoria, a fase da gratificação eleitoral. Não podemos reclamar se o nosso regime não cumpre nada do que promete - que não nos dá igualdade política, nem poder decisório, nem autonomia coletiva. De quatro em quatro anos, gratificamo-nos todos. E se rolar o famoso clipe com dois chicletes do amigo Maluf, saímos no lucro!

Friday, August 11, 2006

Diário de um cientista político

Passei o dia de hoje travestido de cientista político, exibindo o terno mal ajambrado, a gravata colorida e o olhar cansado que são o uniforme da profissão. Passei o dia fazendo aquilo que eu e meus colegas fazemos sem parar nesse período pré-eleitoral: atendendo à mídia. Hoje, gravei entrevista para um canal de televisão, conversei com dois jornais por telefone e agendei uma rádio para amanhã. Faltam menos de dois meses para o primeiro turno; os jornalistas já rondam os cientistas políticos feito insetos na luz. Nas últimas semanas, falei para quatro ou cinco emissoras de televisão, uns 15 jornais, inclusive estrangeiros, e bem uma dúzia de revistas, entre elas Carta Capital, Capricho, Almanaque do Pato Donald e Anal Sex International.

Com a experiência, entendi que não adianta tentar arranjar qualquer idéia, qualquer ângulo novo, qualquer percepção crítica do mundo social. Quando um jornalista procura um cientista político, está atrás de cientificidades políticas... Então, cabe a nós cumprir nosso papel e dizer que:

"A democracia no Brasil está consolidada". "O processo eleitoral está amadurecido" (isto é, os candidatos são todos iguais). "Temos que reduzir o número de partidos com assento no Congresso". "A Justiça Eleitoral presta uma contribuição inestimável à democracia". "O elemento central da democracia é a competição pelo voto". "Os debates na TV são um momento precioso para o esclarecimento dos eleitores". "A tranqüilidade do mercado é a demonstração de que temos uma vida política sadia". "Crioulada é a tradução, para o português, da expressão black under class" (ver www.unbsempreconceitos.blogspot.com). "O fortalecimento dos partidos políticos é fundamental para a estabilidade da democracia". "A globalização tornou inevitável a abertura da economia". "A esquerda amadureceu". "O PT amadureceu". "Heloísa Helena está amadurecendo". "O jogo político superou o dilema do prisioneiro". "A tendência centrípeta da relação agente-principal compromete a accountability nos sistemas transversais de circunscrições trinominais".

Assim falam os cientistas políticos. Falamos devagar, para que o público entenda bem as verdades que queremos transmitir. De vez em quando, fazemos uma pausa e limpamos a baba que escorre pelo canto da boca com a ponta da gravata. Somos gente de bem, em busca de consultorias. Se alguém questiona a cientificidade do que dizemos, tiramos do bolso um artigo em inglês - em inglês! - com gráficos incompreensíveis e equações que ocupam páginas inteiras.

E bastam quatro ou cinco doses de uísque para que consigamos dormir, quase em paz, de noite.

Thursday, August 10, 2006

Como votar nulo

Video ensinando a votar nulo:
http://www.youtube.com/watch?v=7EpgV8Zg7vI

Thnx, anarchobanker! ;)

Tuesday, August 08, 2006

Você conhece um candidato ótimo? Então não vote nele!

Outro dia, eu conversava com uma amiga sobre o tema deste blog. (Ela não sabe da minha identidade secreta, é claro, embora eu ache que desconfia: um dia, deixei a porta do guarda-roupa entreaberta e ela pode ter visto uma ponta da minha máscara.)

Ela é bem-intencionada, embora ainda ingênua e iludida. Concordando com quase tudo o que meus cúmplices e eu dizemos aqui, mesmo assim pretende votar em vários candidatos, de deputado a presidente. Ou presidenta, melhor dizendo, apesar de que a recente adesão de Clarissa Garotinho e da tropa de choque juvenil peemedebista à candidatura HH possa balançá-la. O que é triste, porque o voto nulo consciente não é conjuntural, é fruto da compreensão de que o sistema está podre, fede mais do que canapé de coquetel de conferência nacional depois de duas semanas debaixo do tapete.

Enfim, ela buscava líderes comunitários autênticos, gente de sangue bom, desvinculados da política tradicional, para votar nas eleições proporcionais. Estava lá, de microscópio na mão, olhando as listas partidárias, em busca deste ser surpreendente, merecedor de voto.

Deixei de lado o circunstancial - quem é que é desvinculado da política tradicional e ainda assim sai candidato? - e parti para o essencial:

- Vamos supor que você encontre esse candidato puro. Você vai elegê-lo para quê? Para que ele ganhe um status (ainda mais) diferente da base que deseja representar? Para que aprenda as manhas e mumunhas da ação parlamentar, o valor do conchavo, da espinha dobrada, do toma-lá-dá-cá? Para que se acostume às benesses da vida no poder e faça de sua reeleição em quatro anos a meta final de sua vida?

Minha amiga não se deu por vencida. Explicou que o objetivo era escolher um bom candidato que não fosse eleito, eliminando assim o risco de que ele fosse corrompido pelo exercício do poder. Feliz por entender que estávamos de acordo quanto a um ponto principal, isto é, que o exercício do poder corrompe, tentei decifrar essa postura underdog radical (lembrei-me das aulas de ciência política, do saudoso prof. Pimba): escolher quem vai perder.

- É para valorizar a candidatura - explicou ela. - Você sabia que os extratos de urna são valorizadíssimos? Minha liderança comunitária autêntica vai ficar feliz de ter tido um voto numa zona eleitoral de elite, longe de sua moradia. Mesmo não se elegendo.

Achei bizarro. O camarada tem um trabalho em movimento social, consegue fazer alguma coisa com as pessoas em volta dele, recebe o epíteto de liderança. Mas o que o valoriza é um voto numa área burguesa. Será que esse raciocínio não reforça a idéia de que a política eleitoral é a verdadeira política, que o voto é o único indicador que mostra quem tem o direito de fazer política? (E, ainda mais, que uma pequeno-burguesa vale mais que mil proletras?)

- Você está estimulando que se pense que a eleição é a política que importa, que você trabalha em movimento social, sindicato, seja o que for, como degrau para um dia sair a deputado. Que o que vale é o processo eleitoral e o resto é igual bosta de cabrito.

A citação escatolo-zoológica foi proposital, para valorizar também as lideranças advindas do meio rural.

- Não! - respondeu ela, escandalizada. - Não estou estimulando não. Ele já pensa isso desde a hora em que se candidata!

E ela vai corroborar isso... Se a liderança comunitária autêntica se ferrasse bonito, talvez se desencantasse com a política institucional e voltasse a alocar suas escassas energias em algo potencialmente mais produtivo. Mas assim não. O que minha amiga ainda não deglutiu é que cada voto dado legitima mais o sistema e cada voto recebido insere mais (quem o recebe) no sistema. Há quem queira manter o sistema - são os nossos adversários. Há quem queira reformar o sistema - iludidos, alguns; cooptados, outros. Mas se é para acabar com esse sistema, então não há meio termo.

Não sou fã de lideranças comunitárias - cada um dos dois termos me dá calafrios. Mas é necessário preservar toda a semente de transformação presente no mundo social. Se há um candidato bom, vamos cuidar pra não corrompê-lo com a vitória eleitoral, com a esperança de vitória eleitoral, com a mosca azul da busca do mandato. Eu sei que meu voto corrompe: não vou usá-lo contra quem eu respeito.

Saturday, August 05, 2006

União nacional contra o voto nulo

O governo é contra. César Maia e UJS fazem coro para manifestar seu horror. O TSE acha uma barbaridade. Líderes do PCdoB, PSDB, PT, PSOL e PFL formam quase uma frente parlamentar para lutar contra a ameaça. O jornal O Globo dá porrada, assim como todo o resto da grande mídia (e da pequena também).
Todo mundo contra o voto nulo. Segundo o jornalista Aydano André Motta (O Globo, 1/8/2006), o voto nulo é "derrota cívica", os blogs a seu favor são "pura desinformação". Além de todos "mal-humorados", o que seguramente nos inclui. Cita alguém que diz que "o mais ruim e o menos ruim são essencialmente uma só coisa, ruim" e fulmina: "isso lá é argumento que se apresente?" (Bom, pelo menos é um argumento, enquanto "isso lá é argumento que se apresente?" não é argumento nenhum.) E o artigo se encerra com a velha lição de moral: "correr atrás de candidatos que prestem é a única saída".
Bom, ele tem toda a razão. A vida, aliás, me ensinou a jamais discordar de um jornalista de O Globo... O problema é que ele tem razão da perspectiva de manter o sistema representativo atual e a ilusão de soberania popular. Correr atrás de candidatos que prestem não é a saída pelo simples fato de que candidatos que prestam fatalmente se tornam governantes que não prestam. Não é questão de nomes. É o modelo. É estrutura.
Não custa assinalar que a campanha institucional contra o voto nulo, patrocinada por tribunais eleitorais, é um absurdo e uma inconstitucionalidade. Mesmo no nosso ordenamento jurídico, votar nulo é uma das opções à disposição das cidadãs e dos cidadãos. Não cabe ao Estado vetá-la.

Wednesday, August 02, 2006

Eu não vendo meu voto: a não ser que vc pague por ele!

Dizem que no Brasil o mercado dos votos é profundamente antiético (ao contrário dos outros?). Só vende o voto aquele que só pensa nos seus “interesses individuais” e não vê que os mecanismos eleitorais de participação política são as vias democráticas para fazer valer seus “interesses individuais”. A verdade precisa ser dita: o interesse individual hoje em dia é dinheiro e vender voto é alcançar resultados sem intermediários. É ser “pró-ativo” na linguagem empresarial.

Aí o samaritano da andorinha na floresta em chamas vira pra mim e diz: “Se todos fizessem como vc nós estaríamos ferrados (risos)!”. A minha tese é que se cada brasileiro vendesse seu voto, nós iríamos assistir a maior distribuição de grana da história do país!

Além disso, vender o voto é uma troca justa onde todas as partes ficam felizes: eu encho o bolso, o governo não precisa mais pensar no blá blá blá da fome e da miséria, o candidato sobe mais um degrau para a glória e eu deixo de depender da cambada de Brasília. É capaz até de surgir alguma alternativa pra não se morrer de fome nessa terra de ninguém.

Contudo, existe um grande problema no mercado de votos: a falta confiança. Como saber se o vendedor vai honrar com a sua palavra na cabine indefectível da urna? Porém, tendo em vista o valor do meu voto (isto é, nulo), acho que por dois chicletes e um clipe eu voto até no Maluf. Mas tem que ser a vista, porque não dar pra confiar em quem compra voto pra corrupto.

Por isso, meu slogan será: “Nas próximas eleições, meu votinho pode ser seu. Seja prudente: compre de quem DÁ VALOR ao voto!”.

Anular ou branquear, eis a questão!

Até 1997, votar branco ou nulo possuía suas diferenças. Os nulos eram retirados da contagem que definia o quociente eleitoral, ao passo que os brancos não. Para que ninguém durma em cima do teclado e babe no mesmo, ocasionando um curto no computador, impossibilitando o acesso a tão rebelde blog, deixaremos de lado as recreações matemáticas que compõem nossa tradição eleitoral.

No final das contas, votar em branco dificultava o acesso de minorias à representação no legislativo e em eleições majoritárias eram concedidos ao candidato mais votado. Mas isso não tem mais nada a ver. Hoje em dia Nulo = Branco. Ou não?

Lembremo-nos da origem revolucionária zoológica de alguns candidatos. O mais importante era a criação de uma opção pelo próprio eleitorado. Se o eleitor quisesse, tinha a oportunidade de escolher rinocerontes, macacos, ou outros animais. Com a adoção da urna eletrônica, em nome da rapidez e segurança no momento da apuração, acaba-se com a possibilidade de se destinar o voto a qualquer entidade, independentemente de sua espécie, e com a liberdade da construção de opções.

Votar em branco significa uma maior passividade por parte do eleitor. Só faltava que o enorme botão BRANCO na urna eletrônica fosse roxo com bolinhas verdes para chamar mais atenção. O voto branco, neste caso, é apenas mais uma opção DADA ao eleitor, que ao invés de votar em um partido, opta por um “candidato” ofertado pelo sistema eleitoral (este em busca de sua legitimidade e não de cargos), ou seja, se abdica em favor do que os demais decidirem.

A origem anuladora do voto nulo difere daquela do branco. Votar em branco representa a concordância com a organização do sistema político, partidário, eleitoral, econômico, salarial, religioso, imagético, transcendental, ferroviário, hidroviário, de aviação, elétrico, hidroelétrico, radiofônico, de entretenimento e, talvez, Globo ou Brasileiro de Televisão.

O problema para quem vota nulo não se refere apenas às opções, mas como elas são construídas e oferecidas. O macaco Tião não era somente uma opção criada pelo eleitor indignado. Antes de tudo, era um desabafo em busca de uma nova organização política, que permitisse a ascensão de novos atores: tucanos e lulas poderiam (ou deveriam), deste modo, serem trocados por polvos, periquitos, tatus, e por aí vai...

Tuesday, August 01, 2006

Lições de Montesquieu e da Argentina

O processo eleitoral cumpre, é necessário reconhecer, uma função muito importante nas "democracias" contemporâneas. O fato de admitirmos que é importante não significa que vamos concordar com ela - afinal, a Gestapo também desempenhava uma função muito importante no governo nazista.
Quem revelou com mais clareza o papel das eleições nas "democracias" do Ocidente foi um pensador conservador, Joseph Schumpeter, no início dos anos 1940. Atualizando Thomas Hobbes, ele percebe como a delegação de poder funciona como mecanismo de legitimação da dominação. A intervalos periódicos, o povo, que consta lá nos preâmbulos retóricos das constituições como detentor do poder soberano, transfere seu direito de autogoverno para uma minoria. Essa transferência, como nos diz Schumpeter, não obriga os governantes a nada, não sinaliza preferência por nenhuma política, não representa uma gota de exercício de soberania. O importante é que o povão pensa que está influenciando no governo (e, com isso, se dispõe a obedecer melhor).
Por isso - ao contrário de Hobbes - Schumpeter pensa que as eleições devem ser periódicas. A ilusão do autogoverno precisa ser reatualizada, para que continue eficaz. O economista austríaco, talvez inconscientemente, recuperava uma idéia presente em Montesquieu. Ele explica, lá n'O espírito das leis: o corpo legislativo deve ser renovado periodicamente, para que, quando se corrompa, o povo não perca a esperanças de instituir um novo, regenerado. E aqui estamos nós, 250 depois, comprovando Montesquieu. Cada vez que um de nossos ídolos cai, corremos em busca de outro. Meu vereador, meu prefeito, meus deputados, meus senadores, meu governador, meu presidente: todos se corromperam. Mas eu ainda ponho fé que, em 2006, vou acertar o voto e escolher quem faça a hora enquanto eu espero acontecer.
E já que estou indo de citação em citação, segue mais uma, de P. T. Barnum (que sigla significativa! não pode ser só coincidência, foi a providência divina), o pai da publicidade moderna, o charlatão que sacudiu os Estados Unidos na metade do século XIX. Ele explicava porque era tão fácil enganar as pessoas. Elas desejam ser enganadas e colaboram ativamente no processo. Eis o princípio do discurso publicitário, do qual o discurso político é uma província. Assim faz o eleitorado, pleito após pleito.
A Argentina ilustra bem demais a situação. Depois do fracasso ímpar do governo De La Rúa e da mobilização popular anti-sistêmica, convocam-se eleições de emergência e as energias políticas se deslocam para a arena eleitoral. Com isso, perdem seu potencial transformador. Em vez de buscar a construção de novas instituições, que minimizassem a desigualdade política e avançassem na direção de maior justiça e autonomia, a questão passou a ser ganhar votos para obter uma ou outra cadeira no Congresso. Um cientista político, Isidoro Cheresky, diz que a crise argentina mostrou como as eleições são o recurso essencial de re-legitimação do sistema. Ele o diz aprovadoramente (nem era necessário explicitar isso; afinal, eu o classifiquei como "cientista político"). Sem comungar de seu juízo de valor, é possível aceitar o veredito e entender aquilo que Montesquieu e a Argentina nos ensinam. O processo eleitoral, além de desviar a ação política de arenas com maior potencial de transformação, faz com que nós vivamos numa ilusão permanente, renovada a cada quatro anos.
O mínimo, neste momento, é dizer não...